quinta-feira, 16 de junho de 2011

Dois poemas do Casimiro

61

Amo-te. Basta-me um pássaro,
uma árvore
para me transportar ao jardim
de ti — um livro, uma palavra, o peso
do silêncio
para me levarem ao poço de ti,
aos teus olhos que ofuscam
o cristal da manhã; à tua boca
aproximando-se da minha pele
como se regressasse a casa.
Cantar-te é desfazer o nevoeiro da minha vida,
desfiar uma chama, ardendo lenta,
que não se via. E basta-me um vinho
ou a tua língua,
ou a memória dela
para que em mim disparem águas
trémulas — ainda são — por isso
quando te amo
sou um pouco essa montanha que tece com o vento
uma combustão muito lenta muito paciente
como se todo o fulgor da vida
se concentrasse nos vales e nos rios do teu corpo.



DO POEMA

O problema não é

meter o mundo no poema; alimentá-lo

de luz, planetas, vegetação. Nem

tão-pouco

enriquecê-lo, ornamentá-lo

com palavras delicadas, abertas

ao amor e à morte, ao sol, ao vício,

aos corpos nus dos amantes —

o problema é torná-lo habitável, indispensável

a quem seja mais pobre, a quem esteja

mais só

do que as palavras

acompanhadas

no poema.

Canto Adolescente, 1961


Casimiro Cavaco Correia de Brito
(Loulé - Algarve, 14 de Fevereiro de 1938)
é um poeta, ensaísta e ficcionista português.

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