sexta-feira, 10 de setembro de 2010

carta ao debate digital...

Amigos, conhecidos e desconhecidos,

depois de receber a carta abaixo da Hungria, não resisto...

O debate é sem dúvida a forma mais sublime de aprendisagem.

Tenho lido as contribuições de todos os pontos cardeais, porque esquerda ou direita... isso já era. Por um lado acho que estão perdendo muita energia, mas por outro muitos podemos aprender alguma coisa.

O mal, o cancer é não haver alguém suficientemente nobre e corajoso que seja capaz de furar a trincheira dos interesses partidários. Será?

Muitos dos conceitos apresentados são partidários, outros vêm ainda de sonhadores, aqueles que navegam nas difíceis paragens de ver seus ideais serem destruidos. Eu nasci no fascismo de Salazar. O 25 de abril foi o dia mais feliz da minha vida. Teria também sido do meu avô e pai, se fossem vivos. Eu era comunista, meu ex no. 1 era deputado à assembleia nacional pelo partido. Muitos amigos foram presos, torturados e mortos. Alguns em Cabo Verde, na ilha do Sal - tortura da frigideira. Pior do que isso???
Contudo, logo os meus sonhos e ideais - pelos quais quase fui presa várias vezes, cairam por terra, quando depois do 25 de abril ou revolução dos cravos, o partido mandava um homenzinho asqueroso "visitar" o meu imaculado apartamento (de más vibrações) para apenas ver tudo o que eu fazia, com quem falava, o que via ou lia. Ficava ali sentadinho sem nada fazer e de olhos perdidos num firmamento ultra limitado. Mandaram-me vender o jornal Avante nas horas em que eu não estava trabalhando, estudando ou treinando (fui judoca internacinal - peso leve - imaginem!) Quando os comunistas "sanearam" os professores e a universidade fechou, resolvi ir estudar em Paris, levando uma mala cheia de desilusões. Por lá fui trotskista. Dei muita água e cubos de açucar aos que faziam greves da fome contra o Xá do Irã, Burguiba da Tunísia, rei de Marrocos etc etc.

No fim eu vi na carne, através da vida de muitos antigos companheiros, que tudo terminava quando arranjavam bons empregos e se tornavam ridículos burgueses. Muitos nem tinham classe para sê-lo. Um - casou com a filha do primeiro ministro de Burguiba, que tanto criticara...

Daí, apaixonei-me e casei. Com quem? Um economista/diretor do Banco Mundial - O INIMIGO!! Não pirei. Juro que nem estive à beira de pirar. Aprumei-me. A gaiola de ouro também ensina e muito. Resultado, eu não vejo o mundo com olhos de quem nunca saiu de uma ilha, ou de quem pensa que aquilo que se passa no palco não lhe diz respeito. Alarguei a consciência e a visão. Conclusão? O cego não é quem não vê, mas quem não quer ver. Não é bom teimar, sem analisar fatos, porque todos os lados teem falhas. Cada um à sua maneira - tem uma retórica paupérrima e popular sem um programa sério a oferecer. Porquê? Porque grande percentagem da população ainda não é educada o suficiente para exigir uma pauta.

Os que lutaram contra a ditadura de Franco, Salazar ou o regime militar no Brasil e muitos outros, foram importantes na história. Todavia, os anos passaram, as épocas são outras, aburguesaram-se e se não teem nada de novo, continuando a falar do mesmo, batendo na mesma tecla, é por que ficaram paralisados no tempo. Antes eram atraídos por um ideal, agora pelo poder. Os ideais não podem estagnar, mas alargar.

Lembro-me muito bem daquela noite em Paris em que numa manifestação colossal, fiquei sem voz gritando "morte a Franco", na véspera da morte de cinco membros da ETA, um deles uma mulher, que Franco condenou à morte. Cinco dias depois o próprio também morreu. Nessa noite toda a Europa fazia o mesmo, incluindo o primeiro ministro da Holanda. No entanto, a ETA matou muita gente, milhares... Os ideais esfumaram-se nas colunas implacáveis da mente coletiva, ou seja, partidária.

Foi depois disso que melhor entendi o que o meu professor de política na Sorbonne, Maurice Duverger, nos disse no primeiro dia de aula em que dividiu o enorme quadro negro em dois. De um lado escreveu capitalismo, do outro comunismo (ele foi um grande socialista) e perguntou: "qual preferem?" Capitalismo - desigualdade social, mas liberdade individual. Comunismo - nenhuma liberdade individual, o coletivo é o que importa.

Tudo o que nos tire a liberdade individual ou de pensamento é corrupto e não tem qualquer ideal humano, portanto descartável. Porém, há muitos regimes que se dizem de esquerda, defendem o proletariado, etc. mas quando chegam ao poder retiram a liberdade de expressão e de PENSAMENTO, mantendo o povo na ignorância. Porque não se gasta mais na educação? Porque há uma razão política de primeira ordem: manter os povos na ignorância para que só possam atuar como rebanhos segundo o pensamento do pastor. Essa é a mente coletiva. O proletariado foi apenas um degrau, nada mais. A sociedade nunca deve esquecer que o ideal humano tem sempre de estar muito acima da ideologia ou obrigações partidárias, senão em pouco tempo seremos uma infraraça.

Adoro quando alguém me indica um bom livro. Será que já leram o livro "As Cadeiras" de Eugene Ionesco. Quando essa peça de teatro foi apresentada em Nova York, o povo dizia "Que coisa horrível o comunismo..." Quando foi apresentada em Moscou (Moscovo) o povo dizia "Mas que coisa horrível o capitalismo...".

Seria bom que cada um entendesse que todos desejam o bem comum, porém, infelizmente muitos não tiveram a vivência e o conhecimento de outros. Com eles devem aprender, ou seja, ouvir e depois fazer os seus próprios juizos sem ofender, sem magoar, mas com o amor devido a outro ser humano que também gostaria de ver o povo brasileiro vivendo com boas escolas, sem corrupção, sem favelas, sem crime, sem fome, sem que a mulher seja menosprezada - até pela própria polícia quando se queixa do marido ou companheiro que a espancou e abusou. Não esquecer as palavras de Albert Einstein: "Os problemas atuais não podem ser resolvidos com o mesmo pensamento que os criou". Há que mudar a maneira de pensar, subir a outro nível ou dimensão de raciocínio.

Quem seria capaz de nas próximas eleições fazer algo nesse sentido? O melhor seria dedicarmos 4 anos na procura/descoberta desse homem ou mulher. No dia em que cada um falar através da sua própria vontade e raciocínio, saindo da mente coletiva, com a única vontade de ser justo e consciencioso, não só os presidentes, mas também os candidatos terão muito mais qualidade. A qualidade individual é que dá qualidade ao todo. Pensar é um direito do homem, mas os interesses dos que regem o mundo tentam por todos os meios impedir-nos de o fazer. Nunca devemos esquecer que há muito parasita mascarado de anjo.

Num debate ninguém tem o direito de condenar outros por suas ideias. Isso seria o retorno ao fachismo ou ditadura. Democracia é um debate saudável, onde cada um tem ideias diferentes, mas todos teem o mesmo ideal - o bem estar de todos. Um dia alguém disse: "se não votar no Bush não é patriota", sim, verdade, mas o pior é que aqui em Florianópolis alguém disse o mesmo, "quem não votar na.... não é patriota". Não sejamos o contrário dos ideiais que pretendemos defender. Democracia acima de tudo, aliás, sem competição não há qualidade nem amelhoramento, desculpem o capitalismo...

Termino com uma frase do livro que acabei de lançar na Bienal de SP: Os mais ignorantes são os mais fiéis vassalos dos opressores. Defendamo-nos deles ensinando-os a progredir. Do livro A Chave do Grande Mistério.

Muito amor e carinho para todos.
Helder você em especial, um primo muito querido, ainda havemos de fazer um curta juntos.
Ao meu bom amigo Vidal, lembre que o meu marido, Aguinaldo Filho, era chamado de melancia antes de sair do Brasil e ir para a Suécia. O absurdo: por dizerem que ele era melancia não foi trabalhar na Globo, hoje é a Globo que defende o regime em vigor neste país que se diz de esquerda.
Nos Estados Unidos sempre votei no homem, nunca no partido. Do pior escolhia o melhor... O problema no Brasil é que se votasse não saberia em quem... talvez com vontade de votar em alguém que não fosse candidato.

É precisamente porque temos uma visão fora do cubo que podemos ver o todo. Porém, e isto é muito importante, nós também aprendemos muito com vocês, os que ficaram. Tal como iniciei esta carta, o debate é sem dúvida a forma mais sublime de aprendisagem, os gregos não me deixam mentir...
.
respostas:
Que coisa linda, Rosinha! devias mandar pra´vários jornais: Folha de S.P.", por exemplo!
parabéns. Escreves tão bem...
abç apertaaaado
bj
beth


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Parabéns Rosa! Fico feliz em ter uma amiga como você. Abraço carinhoso. Carlos Alberto

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Rosinha, parabéns! Não é à toa que você é uma escritora consagrada, pois sabe expressar-se claramente, se exime de tomar partido e enxerga todos os lados do cubo, pois está fora dele. Sou seu fã e concordo que o debate é sem dúvida a forma mais sublime de aprendizagem.
Beijo e bom fim de semana a todos
Eustáquio

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Rosa querida, nossa flor de Primavera,
Sábias e ponderadas palavras.
Bjo do
Antunes S...

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A D O R E I
tudo, os debates, os e-mails, as pessoas que passei a conhecer!
E sua declaração pulsante que coaduna com meus pensamentos.
Beijo

Rosane

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Pois é, jurei que nunca mais 'passaria' emails deste tipo pra ninguém...perdoem-me. De fato, estive 38 anos fora, exatamente pelos motivos citados no passado, e hoje estou de volta. Porque? não tenho a menor idéia, mas quem pode afirmar porque fez o que fez? Any way: De certa forma estou contente que gerou um debate (democrático, I hope) e melhor compreensão 'entre os homens de boa vontade'. Acho até que nos aproximou um pouquinho... mas o que realmente me tocou profundamente foi a decisão da minha esposa, Rosinha, de escrever o que escreveu. Orgulho-me imensamente de compartilhar minha vida com esta Pessoa que coloca o direito humano, o respeito humano, a dignidade humana acima de tudo, I mean, DE TUDO! Rosinha, meu amor, vamos repetir tudo?
Ergo uma taça de vinho Maison de Ville (gaucho) a todos, friends an foes.

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