domingo, 25 de março de 2012

Lenda da Moura do Castelo de Tavira (Algarve)

"A noite de São João é, desde tempos imemoriais, a noite das mouras encantadas. Conta a tradição, que no castelo de Tavira existe uma moura encantada que todos os anos aparece nessa noite para chorar seu triste destino. Os mais antigos dizem que ela é a filha de Aben-Fabila, o governador mouro da cidade que desapareceu quando Tavira foi conquistada e quase totalmente destruída pelos cristãos, mas não antes de ter encantado a sua filha. A intenção do mouro era voltar a reconquistar a cidade e assim resgatar a infeliz, mas nunca o conseguiu.
A continuação dessa lenda, nos fala de uma grande paixão que um cavaleiro cristão, D. Ramiro, sentiu pela moura encantada. Foi precisamente numa noite de São João que tudo aconteceu. Quando D. Ramiro avistou a moura nas ameias do castelo. Sua extrema beleza e a infelicidade de sua condição muito o impressionaram. Perdidamente enamorado, resolveu subir ao castelo para desencantá-la. A subida através dos muros da fortaleza não se revelou tarefa fácil e demorou tanto a subir que, entretanto, amanheceu e assim passou a hora de se poder realizar o desencanto.
Diz o povo que mal rompeu a aurora, a moura entrou em lágrimas na nuvem que pairava por cima do castelo, enquanto D. Ramiro assistia sem nada poder fazer. A frustração do jovem cavaleiro foi tão grande que este se empenhou com grande fúria nas batalhas contra os Mouros. Conquistou, ao que dizem, um castelo, mas ficou sem moura para amar…"

Comentário de Rosa DeSouza:

Mouras encantadas no sonho do guerreiro. O Penedo da Moura que marca todas as florestas e pedras desse país de passado tão heroico quanto macabro é o registro de sonhos impossíveis dos que tentam romancear genocídios. Qual teria sido o pior? Os mortos nas pradarias, encostas e rios ou o genocídio mais cruel da alucinação que matou mouras de todas as raças, morenas, negras, louras, altas e baixas, gordas e magras - da anima do homem? A cada golpe de espada o sangue que corria vinha da alma cada vez mais esquecida do que ele mesmo era. Esse homem, orgulhoso de sua perícia, enterrava lágrimas em claustros tão escuros que deixou de se ver ou reconhecer. De luz cada vez mais extinta, permitia que a sombra o guiasse a um inferno infinito. Incompleto e inadequado àquilo que ele deveria ser, assim como à vida que deveria usufruir, ele ia arruinando, mutilando e estuprando a sua própria pele em contínuo autocastigo. Flagelando o encantamento da natureza humana, via fantasmas de filhas, mães e amantes desamparadas pairando nas ameias de castelos frios e sem lareiras. Os abutres comiam o que restava de humano nesse homem, mesmo em relação a suas filhas, cada vez mais feroz e inapto. Suas capelas, decoradas de Madonas ricamente vestidas, enganavam a realidade com a ilusão do amor materno - o único que seria aceitável por ocupar o coração de uma virgem tão incompleta como ele. Só essa mulher castrada, sem jamais ter sentido o ardor da paixão e do desejo, tinha os requesitos necessários para ensinar seus filhos a ser como ele. Contudo, alguns homens conseguiram escapar do encantamento dogmático e antinatural. Não apenas em noites de luar, solstícios ou equinócios, mas todos os dias do ano. Eu, moura encantada mas não morta, já os vejo por entre as ameias do meu castelo situado no alto de uma colina de ondulações verdejantes. Os descendentes desses meio-homens estão cansados de sofrer. Eles hoje desbravam as florestas mais perigosas do seu Eu interno, na procura incessante por mouras adormecidas na dimensão escondida das pedras. Os estandartes multicores estão sendo hasteados enquanto os tambores ecoam...


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